quarta-feira, 8 de abril de 2009

NOIVA DO CORDEIRO

Amigos, Walmir escreveu um protesto no blog dele - www.walmir.carvalho.zip.net que transcrevo aqui pra vocês. Mais uma vez queremos levar ao conhecimento de todos quanto possível a linda história da comunidade.




VALE COMETE GROSSA INJUSTIÇA
Em ação incompreensível a Vale retirou o canal de satélite que permitia à comunidade Noiva do Cordeiro ter acesso à internet.
Noiva do Cordeiro é o melhor exemplo de comunidade que eu conheço.

Há uma comunidade socialista no interior de Minas Gerais.
Chama-se Noiva do Cordeiro.
No fim do século XIX, a jovem Maria Senhorinha de Lima, nascida no povoado de Roças Novas, distrito de Belo Vale, casou com um descendente de franceses, Arthur Pierre. Infeliz no casamento, deixou o marido e foi morar com o moço Chico Fernandes no local onde acabou sendo criada a comunidade.
Aquela atitude deixou a população escandalizada e os poderes públicos e religiosos irados. Que direito tinha aquela mulher de abandonar o marido e juntar-se ao homem que amava e amou por toda a vida?
E veio a revanche, a vingança.
Padre Jacinto – santo homem como era conhecido – excomungou-a e à sua descendência até a quarta geração.
Com a excomunhão veio a difamação.
Mesmo quando visitava os parentes, Chico Fernandes não podia dormir dentro da casa deles, era obrigado a dormir no paiol. Era um adúltero também.
Ainda assim, o casal seguiu sua vida, gerou filhos e filhos, fizeram larga descendência, e a comunidade cresceu.
Cresceu, mas o preconceito e o isolamento também cresceram junto. As mulheres, quando iam à cidade de Belo Vale, sede do distrito, eram chamadas de prostitutas. As crianças podiam freqüentar a escola, mas eram apartadas do convívio com outras crianças, ninguém falava com elas, de modo que muitas deixaram de se formar.
Por volta dos anos 1940, o pastor Anísio Pereira se apaixonou por uma das netas de Maria Senhorinha, a jovem Delina, casou-se com ela fundou a Igreja Evangélica Noiva de Cordeiro, que deu o nome do lugar.
Os preceitos dessa Igreja eram duros, restritivos, as mulheres não podiam usar maquiagem, não podiam cortar os cabelos, controlar a natalidade, música era proibida, tinham que usar vestidos compridos.
E havia o jejum. Obrigatório. Dois dias inteiros por semana. E uma hora de oração matinal todos os dias. Aquilo prejudicava o trabalho.
Apartados da fé católica, o preconceito crescia contra eles na cidade de Belo Vale e nos povoados vizinhos. Difícil para os homens conseguirem trabalho, ainda mais que eram limitados pelos dois dias semanais de jejum. Foi uma época longa de duras privações.
As mulheres da comunidade começaram a perceber que a Igreja não trazia tantos benefícios e que, pelo contrário, dificultava a vida e o sustento e, aos poucos, se afastavam dela.
Então uma das filhas de Delina e do pastor Anísio casou-se.
Para a festa do casamento exigiu música. Bateu o pé, queria porque queria.
Foi contratado um sanfoneiro.
Crianças que nunca tinham ouvido música na vida gostaram. Dançaram. Todos entraram naquele forrozinho.
A partir daí, a igreja definhou, até que foi derrubada; no seu lugar ergueram o bar da comunidade onde se reuniam para cantar, dançar, para se divertir.
Simbólico - no lugar da igreja opressora um espaço de convivência e alegrias.
Excomungadas pela igreja católica derrubaram a igreja evangélica e passaram a viver uma vida sem religião – mas com muita fé em Deus -, sem dogmas e sem formalidades.
Namoram, casam.
Se uma jovem quer casar-se com véu e grinalda eles organizam tudo. Um veste-se de padre, outros fazem papel de padrinhos, encenam o casamento.
Se não, há uma cerimônia em que falam os pais, os amigos, os noivos e estão casados.
Se não querem mais continuar casados, separam-se.
“Aqui nunca houve traição”, me conta o Iran.
Pelo domingo, à tarde, fizeram brincadeira de “como é a música”. O Celso cantava a música e em certo momento parava. Era auxiliado por outro rapaz que ia passando as páginas onde estavam escritas as letras das músicas. Aí um grupo tinha de continuar, dizendo pelo menos uma seqüência exata de sete palavras que completavam a letra da música. Um grupo competia com outro. Pois o Celso, o que cantava – e têm bom equipamento de som – vai se casar com a Taninha. E o rapaz que o auxiliava fora casado com Taninha. Tivera com ela um garoto espoleta, o Marco Antônio, agora com oito anos. E todos se dando muito bem.
Onde uma coisa assim pode acontecer com naturalidade? Não sei de nenhum outro, a não ser lá.
Delina me disse: “Professor, aqui nunca tem discussão, não é briga não, discussão”. E penso que não tem mesmo. Nos dias que passei lá não ouvi um palavrão, uma palavra ríspida.
Pode parecer que exagero, eu mesmo, muitas vezes duvido do que vi. “Será que encenaram para mim?”.
“Não é possível”, penso depois. Cheguei lá de supetão, sem convite e, num instante estava à mesa com eles almoçando, um quarto preparado pra eu descansar, as conversas. Uma naturalidade estarrecedora.
Há inúmeros bebês, acredito que uns oito. Eu não conseguia saber quem era filho de quem. Todos cuidavam de todos. Só perguntando pra saber. E tanto quanto as mulheres os homens cuidam deles. Vão passando de mão em mão. Não choram. Minha mulher falou: “Acho que esses meninos são mudos. Eles não choram, não?”
Voltando:
Esta vida desligada dos dogmas das igrejas – e ainda assim profundamente religiosa - dificultou a integração com os outros povoados, com a sede do município. As mulheres eram consideradas prostitutas, mulheres perdidas, submetidas a constantes humilhações. Os homens casados com elas eram criticados, voltavam para casa humilhados, às vezes furiosos.

Liderados por Delina, aquela jovem que se casara com o pastor Anísio, homens e mulheres da comunidade Noiva do Cordeiro suportaram os piores anos de exílio com paciência e trabalho, com solidariedade e, pouco a pouco, organizaram-se.
Tudo o que produzem é de todos. As terras, as casas, o produto do trabalho.
As mulheres dizem com orgulho que “somos nós”.
E dividem tudo entre si.
Eu e minha mulher levamos uns presentes da segunda vez que fomos lá. Sorteamos. Uma delas recebeu um “kit descanso”, travesseirinho que se põe sob a nuca e saquinho de cereais aromatizados que se põe sobre os olhos ao deitar. No dia seguinte ela levantou-se alegre e passou o kit a outra. “Hoje é sua vez de descansar com ele, Nelma.”
As roupas das crianças são lavadas, passadas, empilhadas. De um lado estão as roupas dos menores em sucessão de tamanhos até a roupa dos maiorzinhos. Nenhum deles tem a “sua” roupa. Até isto é dividido. Esta divisão prática e fraterna é, eu penso, um dos inícios da educação comunitária que está presente em tudo, a todo instante.
Uma parte dos homens mora na comunidade, outra parte trabalha em Belo Horizonte em algumas metalúrgicas e no Ceasa.
Vindos de uma cultura comunitária, criaram também sua comunidade em Belo Horizonte. Trata-se de uma casa no bairro Pindorama onde moram juntos.
Viajam segunda-feira para Belo Horizonte e voltam na sexta-feira para Noiva do Cordeiro.
Com os ganhos do trabalho em Belo Horizonte complementam a renda da comunidade.
Em Noiva do Cordeiro cada um faz a atividade que gosta, e faz bem. Escolhem entre fábrica de roupas, cozinha, limpeza, criação, horta, etc.
Só nas épocas de mutirão na roça todos se juntam.
Aí é uma festa de mulheres em maioria no plantio, capinas e colheita. Orgulham-se muito de suas roças.
O paiol vive repleto.
Contaram, mostraram: têm arroz ainda da safra de 2005. O excedente de milho e feijão é vendido.
Elas detestam sair de lá.
“Uma vez fui a Belo Horizonte. Entrei numa loja pra comprar e deixei minha carteira no balcão. Roubaram ela. Hoje, quando vou lá, ando agarrada com a minha bolsa na Avenida Afonso Pena com medo de ser roubada outra vez”.
Os novos casais constroem suas casas em volta da grande casa da comunidade.
Nesta casa todos se juntam para as refeições, para as diversões de teatro, advinhas, baralho, etc - para tomar decisões presididas por Delina, por sua filha Rosa – hoje vereadora eleita com os votos da comunidade – e pelo Iran, presidente da Associação Comunitária.
Em Noiva do Cordeiro há cinco grupos de teatro que eles, curiosamente, dividem em Romance, Drama e Comédia e fazem festival anual. Inventaram seu próprio teatro que começou para instruir atitudes e hoje se expandiu para reforço da história da comunidade, para a invenção cênica. Um teatro ingênuo, comovente e divertido que emociona a comunidade inteira dentro do grande salão da Casa da Comunidade.
As mulheres que conseguiram suplantar as humilhações e têm formação de segundo grau criaram uma escola. Nela, duas vezes por semana dão aulas para as que precisam. Mas as crianças, hoje, já freqüentam aulas da escola pública municipal no distrito de Roças Novas.
O preconceito vai sendo vencido.
É uma sociedade socialista e um matriarcado.
O professor Gil Amâncio que foi lá comigo da terceira vez disse: “Walmir, isso aqui só deu certo porque é comandado pelas mulheres”.
Pode ser. A liderança das mulheres é límpida, salta aos olhos, mas não diminui os homens que se integram a tudo com naturalidade.
Com a Associação Comunitária para correm atrás de recursos e lutam por seus direitos.
Conseguiram a primeira escola de informática do interior de Minas Gerais, através de convênio com o Governo Federal e com a Vale do Rio Doce.
Conseguiram equipamentos para a fábrica de roupas, trator, uma Kombi para transportes emergenciais.
Têm televisão fechada através de antena da Skay. Uma enorme TV de 40 polegadas no salão da Casa da Comunidade, têm carros, boas casas, conforto simples.
Mulheres e homens são bonitos, muito. As mulheres são muito vaidosas, pintam-se, vestem-se com apuro.
Se vocês as virem não irão acreditar que são lavradoras. Saiu uma foto delas na capa da revista da Emater, órgão de apoio do governo de Minas Gerais aos pequenos agricultores. Quem não souber olha e pensa: “contrataram umas modelos para fazer papel de lavradoras”.
A relação entre todos é inacreditável.
Fui surpreendido muitas vezes. Via uma mulher ou homem trabalhando e, de repente outra se aproximava, abraçava, fazia um carinho e voltava à sua tarefa.
E trabalham em bando, vivem em bando.
Riem e se emocionam com uma facilidade perturbadora.
Fizeram um vídeo, eles mesmos – há um adolescente lá, fera em informáticas e toda sorte de bugigangas eletrônicas – contando a história/estória deles. Filmaram, ele editou no computador, colocou legendas pois o som é confuso. Já devem ter visto o vídeo centenas de vezes e todas as vezes riem e choram.
Vivem a vida de uma sociedade socialista criada na prática, sem nunca terem lido nenhum teórico, nem sabido dessas palavras – socialismo e comunismo – que abalaram o mundo. Não se isolaram da vida das outras pessoas, comunidades, cidades.
Não é comunidade fechada.
Não é comunidade unida por religião, nem é comunidade como a dos quilombos.
Tive vontade, ou melhor, pensei em levar lá o João Pedro Stédile, líder dos Sem Terra, para ele ver o que é, de verdade, uma prática comunitária, socialista ou comunista, seja que nome se queira dar.
Eles estão além de qualquer sociedade que eu conheço.
Fundam-se em cultura própria e em amorosidade.
Quando saio de lá eu penso: “o ser humano tem salvação”.
Voltando:
São praticamente auto-suficientes.
Se a Bovespa quebrar, se a crise econômica atual atingir picos intoleráveis para eles pouco vai mudar.
Bastam-se com seu trabalho. Continuarão tendo casa, comida na mesa e boa convivência.
As crianças são bem cuidadas, os adultos trabalham, os idosos não precisam de asilos. Vivem lá assistidos de uma forma comovente. Vivem em suas próprias casas e as mulheres se revezam: cada dia uma vai lá ficar com eles.
O vivente humano tem salvação.
Agora uma injustiça: a Companhia Vale do Rio Doce – a Vale - terminado o contrato em que, de parceria com o governo federal mantinha um canal de satélite aberto para Noiva do Cordeiro, simplesmente o desligou.
E Noiva do Cordeiro está sem internet.
Faço daqui um apelo a todos quantos possam interferir a favor deles.
Ao presidente Lula, ao governador Aécio, ao Ministro das Comunicações, ao meu amigo Fuad Nomam, à Vale, à Rede Globo que, através da GNT fez um belo documentário sobre a comunidade, ao jornalista Luiz Nassif, ao Rovai, à Miriam Leitão, ao Mino, ao conterrâneo Idelber do Biscoito Fino.
Conto com os meus manos blogueiros de todo o Brasil: Jurandir, Mestre Aderaldo, Liliana, Lelena, Daniel Marques, Prof. Edilson, Srta. Roberta, Manuca do Delícia de Abacaxi de Recife, Vera do Serenade, Vinícius Tavares do Látego de Fortaleza, Antônio Claudino do Preto no Branco, Betina, Dayane, Adélia e tantos outros.
Apelo também aos meus leitores para que divulguem, apelem a autoridades, empresas.
Um Satélite a comunidade da Noiva do Cordeiro não pode conseguir por si.
E olha, rapaz, não são só eles que merecem e têm direito.
Somos nós, brasileiros, que temos o dever de ajudá-los.
Uma comunidade assim é patrimônio de todos.
Aquelas mulheres e homens foram exilados em sua gênese por uma excomunhão da igreja católica.. Não podem, agora, na época da inclusão digital, ser excomungados da internet pela Vale e por descuido dos nossos governos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Você está absolutamente enganado com o que fala. Faça suas pesquisas detalhadamente, pois estão faltando detalhes que ainda serão revelados. Nem ouse pensar que há socialismo ou que as pessoas são "ingênuas". Lembre-se que antes de você aparecer por aí, e mesmo de haver reportagens havia um profissional realizando estudos etnográficos, além de ministrar cursos a todos, além do mais existem muitos universitários na família existem uma relação politico-partidária ferrenha entre eles. Fale de forma romântica o quanto quiser sem querer que todos realmente acreditem no Sonho. Procure pessoas da APHAA e muitos outros não indicados, oportunamente. Isto sim seria conhecer a realidade.
Conheço detalhes que acompanhei durante dois anos de pesquisa e elas ainda não estão terminadas.
Yaccobb Pfeffer. ihims@yahoo.com.br

Anônimo disse...

Sr.Yaccobb Pfeffer,
Li com atenção seu post.
Sou professor e diretor da Escola de Teatro PUC Minas e fui, durante 14 anos professor da UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto.
Nasci em Belo Vale, de onde saí muito jovem, mas conheço - da minha infância no final dos anos 50 e década de 1960 - todos os lugarejos citados em pesquisa. Conheci a miséria absoluta da maioria dos moradores do Costas, Roças Novas de Baixo e de Cima, Santana, Macaúbas, Boa Morte, Porto Alegre, Vargem Alegre, Chacrinha dos Pretos, Chácara, Borges,Pires, Arrojado, Cordeiro, Noiva do Cordeiro e muitos outros naquela época.
Vivia, a maioria dos habitantes desses lugarejos, em taperas de pau-a-pique e sapê.
Pobres, incultos, adoecidos.
Acompanhei o que melhorou.
Os benefícios governamentais, as ações sociais que frutificaram, o esforço dos moradores.
Frequento e tenho algum parentesco com os moradores de Noiva do Cordeiro.
Depois de ler com atenção o seu post, permito-me discordar de alguns aspectos, em especial da tentativa - nada científica - de qualificar o crescimento e desenvolvimento da comunidade como "rebelião juvenil" tendendo aos prazeres da carne. "Os fiéis libertos, neste ato de rebelião, assemelharam-se a adolescentes, e começaram a beber, fumar, dançar forró e fazer muita farra. Era uma alegria de criança em corpos de adultos. Um dos mais infelizes atos dos moradores é o tabagismo e alcoolismo."
Especialmente nesta parte, o que o senhor manifesta, antes que ciência, é claro preconceito.
Ou o senhor não aprofundou sua pesquisa, ou utilizou-a parcialmente, ou não soube fazê-la.
Nunca presenciei alcoolismo em Noiva do Cordeiro.
As moças e os rapazes, os homens e as mulheres, fumam como se fuma em qualquer extrato social. E presencio o esforço que muitos fazem para se livrar do tabagismo, alguns alcançando sucesso.
Quase todos dançam forró e outras danças também. Qual o problema? As danças fazem parte de todas as culturas, desde as mais primitivas, passando pelas manifestações religiosas e mundanas.
O senhor diz que fazem muita farra.
Acho uma opinião terrível. Injusta e preconceituosa. O que o senhor chama de farra? Os festejos? As festas juninas? As comemorações de aniversários? As apresentações teatrais? Ou o senhor insinua que se trata de bacanais, de desregramento coletivo? Ou o senhor reintroduz a idéia do prostíbulo com que caluniaram e ainda caluniam a comunidade?
O senhor fala de "alegria de crianças em corpos de adultos". Qual o problema que existe na alegria? Quisera que a humanidade mantivesse em seus corpos adultos a alegria das crianças.
Quaisquer filósofos - especialmente Jung citado em seu post - hão de citar a alegria como fonte de saúde e criatividade.
No título do seu post ONDE HOJE É O BAR, ANTES ERA A IGREJA NOIVA DO CORDEIRO bem como no subtítulo "Rebelião dos fiéis em busca da felicidade na terra" há uma clara tendência não científica, pois o rigor científico não é respeitado. Pode-se interpretar que a felicidade só pode ser encontrada em outro mundo que não o terreno. De onde se pode concluir uma opinião a priori, desprovida de prova científica.
Caso o senhor queira discutir a questão, envio meu e-mail: walmir.carvalho@hotmail.com
fone: 3269.3260 (PUC)
http://walmir.carvalho.zip.net
Atenciosamente,
Walmir

14 de Maio de 2009 07:12