domingo, 20 de setembro de 2009

CAMINHADA FALANTE

Nunca consegui entender como as mulheres tem competência pra assimilar tantas informações ao mesmo tempo. Lembro bem das reuniões de minha família, quando mamãe e as 6 irmãs – eram chamadas de 7 maravilhas – se encontravam. Uma determinada vez filmei o encontro e foi muito legal assistir às cenas depois sem som. Durante quase uma hora nenhuma ficou quieta, todas falavam ao mesmo tempo, gesticulavam, cutucavam umas às outras, enfim, parecia que estavam brigando.
Sobre quantas coisas 3 mulheres conversam numa caminhada de 50 minutos? Ninguém além delas pode imaginar, e se facilitar nem as próprias conversantes. O mais engraçado é que nenhum assunto é terminado, porque uma vai inteirando o assunto da outra e, quando damos por fé, das jabuticabas do Cordeiro mudamos, sem quê nem pra quê, pro AVC do tio, que num piscar de olhos virou a receita do pão integral que a amiga ensinou, que do nada chegou na montagem da árvore de natal porque o tempo passa tão depressa que natal é semana que vem, que já dá vontade de chorar em uma porque a filha ‘tá morando nos EUA, aí a outra inveja a emoção e se lembra de que tem um casamento daí a uma semana e o vestido não entra porque engordou 4 kg, da gripe suína que matou o cunhado da prima do padrasto de não sei quem, pula pros queijos a preço de banana que todas querem comprar, aí vem a lembrança daquela amiga que ‘tá com uma dor fininha – vê se dor tem espessura, mas a de nossa amiga tem - e por aí vai.
Lembramos da lojinha de vovô Miguel e do que vendia lá, uma citando uma coisa, a outra completando: fumo de rolo, sabonete Eucalol, fósforos, regulador Xavier ( 1 para excesso, 2 para escassez ), bicicleta, aviamentos, machado, penico, bala doce, bala de revólver, galocha, gravata, corte de tecido, biscoito de goma, sombrinha, bola de gude, Cibalena, pilha, caderno, Leite de rosas, coroa de defunto, velas, rádio, couro pra pandeiro, foice...
E foi-se – cada uma pro seu lado. A caminhada acaba e os assuntos ficam sempre inacabados.
Biêto, Frango e Canquinha amanhã caminham de novo e continuam a prosa...

sábado, 19 de setembro de 2009

MEUS HOMENS

Vou plagiar minha filha, que tempos atrás escreveu em seu blog sobre os homens da vida dela.
Estou longe de casa, em viagem com um deles – meu marido, e longe de todos os outros. De alguns a saudade é de apenas 2 dias – meus filhos; de outros – vovô, Wilton, sobrinhos e amigos- de mais tempo; de dois deles, eterna – meu pai e tio.
Sempre tive ótima referência dos homens que me ajudaram a crescer, dos que ajudei a crescer e dos que crescemos juntos. Na infância tive vovô Antoninho, papai e Zé Lú, tio emprestado.
Vovô foi carinho, cuidado, quintal, gosto por plantas, bichos e café com rapadura, subidas e caídas de árvores - que eram cortadas pelo talo cada vez que um neto se esborrachava de cima dela...
Papai - parceiro, alma gêmea que veio pra mim nesta encarnação como pai e filha, companheiro de pescarias, caçadas, gosto por cachaça, festa junina nas roças, proteção contra raios e trovoadas, literalmente. Meu medo de chuva veio desde sempre, e quando o tempo fechava tudo o que eu queria ouvir – e ouvia – era a frase abençoada: “Fique aqui, minha filha, que raio eu pego aqui, na mão...”. E pegava mesmo. Quando ele se foi fiquei sem pára-raios.
Lembro-me com alegria de algumas passagens de nossa vida juntos, como quando fui me casar pela primeira vez, aos 19 anos. Mamãe me disse que era pra pensar bem, que casamento era pra sempre, que era uma cruz que eu teria que carregar pro resto da vida. Depois que ela saiu de perto ele sussurrou: “Ó, preocupe não. Se a cruz pesar demais encosta ela no barranco e pica a mula...”. Falava que a única coisa que mata é tristeza. Tinha razão. Sabia das coisas meus pai.
Com Zé Lú aprendi a gostar de prosa mansa, cigarro de palha, a fazer cachaça e queijos, a dar colo pra todo mundo quando a vida pesa.
Chega Walmir, meu grande amor, mandado por papai lá de onde ele está. Deve ser um bom lugar, pra ter tempo de me abençoar e continuar cuidando de mim sempre que meu coração aperta. Penso nele, acredito que vai dar certo e dá mesmo.
Walmir tem muito de cada um destes. Sabe ouvir, falar, proteger, cuidar, dar colo e deitar no colo também, sabe ser forte e frágil, gosta de pescaria e de mato, corta as árvores que me derrubam sem alarde e planta outras no lugar, enche meu peito de amor e orgulho.
Meus filhos homens – cada um de seu jeito, uns mais sérios, outros mais desatentos, mas encantadores todos eles. São muitos, seis ao todo, os que nasceram de mim e os que me chegaram prontos, com meu amor. Sou surpreendida com o que aprendo com cada um todos os dias. Uns ficam por perto e os outros aparecem de tempos em tempos, mas é sempre muito alegre estar com eles.
Agora estão vindo os netos. Na comunidade Noiva do Cordeiro cada bebê que chega adoto em meu coração como neto, e começo a exercitar o papel de avó. Faço dormir, dengo, socorro nas quedas, brinco, enfim, acredito que estarei pronta pra quando os netos de sangue chegarem.
Os grandes amigos – eles sabem que o são, estão sempre presentes em minha vida. De igual forma diferentes (sic...), é com uma liberdade deliciosa que convivemos. Falo de minhas coisas sem pudor e sei que sou uma ouvinte despudorada pra eles também. Têm liberdade de me contar dos relacionamentos amorosos, de trabalho, pedem e dão palpites (acho conselho muito arrogante). Adoráveis.
Enfim, abençoados sejam meus homens!

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

DESRESPEITO À LÍNGUA PÁTRIA

Se tem coisa que me deixa contrariada é ver como a nossa língua anda maltratada. Lembro-me de como minha professora de português era exigente, rabugenta, encrenqueira quando nos pegava dando bobeira na língua pátria. Dona Dedé era assim, felizmente, e a cobrança foi tanta que duvido algum de seus alunos seja capaz de cometer grandes erros.
Ontem dei de assistir a um programa de entrevista da Record News, cujo apresentador é Celso Freitas. Ele entrevistava Fátima Turci, editora de Economia não sei de que jornal. A moça se gabava de ter 35 anos de carreira como reporter - do Estadão durante muitos anos, de outro jornal não sei mais quantos, da assessoria de imprensa do grupo Pão de Açucar, enfim, gabaritada pra falar de economia. Beleza. Deu a ficha profissional completa – bacana, por sinal – e começou a entrevista muito bem. Em dado momento ele pergunta sobre a internet, se não prejudicou os jornais escritos e como ela fazia pra acompanhar as notícias em primeira mão, ao que respondeu: “Antes da internet se tornar o que é hoje, um veículo mais rápido até que somente a impressão do jornal escrito, fui encarregada de fazer um jornal fax, em que as notícias fossem transmitidas com muita rapidez. A condição é que tal jornal estivesse tão atualizado e já PREVESSE o que viria com a internet.”
Ai, meu Deus, como assim? Uma jornalista tão gabaritada não conjugar um verbo corretamente, numa entrevista tão importante? É, porque se ela estivesse num boteco conversando com uma amiga, depois de ter tomado todas, poderia até ser perdoada sem julgamento, mas num programa que, inclusive, foi editado, é imperdoável.
Numa das partes de homenagens passou a tal jornalista ninja entrevistando o sr. Samue Klein, dono das Casas Bahia, que falou várias coisas na conjugação incorreta, mas ele pode. Pode não porque é dono de um império, mas porque é um cidadão comum e nem é brasileiro, e não um repórter.
Fico mesmo incomodada com erros tão gritantes, mesmo numa conversa entre amigos. Tenho uma grande amiga que teima em falar coisas que me fazem perder o rumo da prosa: MEIA tonta, MEIA cansada, além de acreditar que auto estima tem que ser baixa ou alta, – BAIXA estima, ALTO estima. Como fico encabulada de corrigí-la, me mordo pra não falar. Até repito mais ou menos o que ela falou de forma correta, mas penso que ela não observa, porque continua falando da mesma forma, e olhe que é uma moça letrada, não é qualquer uma que nem completou o primeiro grau...
Meu marido escreve divinamente. Fico abobada com seu rico vocabulário e na forma como se expressa. Dia desses me pediu pra revisar um texto que seria postado no blog dele. Bacana como sempre, mas uma palavra deu pano pra manga: “enxorrada”. Disse a ele: “Mas Walmir, como assim? Enxorrada?”. Respondeu: “Isto mesmo. Escrevo do jeito que quiser. Guimarães Rosa podia e eu não posso?”.
Pode, meu amor, pode tudo, ainda mais que nem Guimarães Rosa era tão encantador quanto você! Agora escreve logo ENXURRADA e vamos acabar com essa pendenga...
Não escreveu. Publicou enxorrada e continua tão encantador quanto antes. Mas ele só pode porque é de propósito e sabe a maneira certa, faz parte do show escrever do jeito que quiser.
Sei não, mas penso que falta zelo nas pessoas. Na verdade falta é respeito pela nossa língua tão bonita - e pelo ouvido alheio.
Quem sabe os cursos de português entram na moda de novo? Precisava, viu?

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

PROGRAMA DE ÍNDIO

Dias desses meu marido escreveu no blog dele como gente sem vícios é chata. E é mesmo, mas pior do que não ter vícios é querer controlar os dos outros. Quero contar meu último programa de índio e vejam se não tenho razão...
Fomos convidados prum casamento fora de BH – fora mesmo, distante uns 600km pra mais. Nos juntamos a um casal de amigos e lá vamos nós, rumo à tal cerimônia, já que a noiva era filha de um chegado nosso por quem temos grande estima.
Preparamos as vestimentas com cuidado, e o amigo que foi conosco não se esqueceu nem da bota ninja que tem, daquelas “mandadas fazer por encomenda”, que tem um tipo de recheio dentro pra ele não ficar mais baixo que a esposa quando ela coloca salto alto. Tudo preparado, voamos na maior espectativa prum fim de semana promissor.
A alegria começou a degringolar na chegada da festa. Como o tempo está seco demais e há muito tempo nosso amigo não calçava a bota, ao descer do táxi a mardita descolou o solado inteiro, que nem boca de sapo. Eu, Walmir e a amiga descemos e ele voltou ao hotel pra trocar de sapato, contrariado por estar perdendo parte da festividade. Entrou no hotel em passos miúdos, pra que a recepcionista não visse a bota desbeiçada. O pior é que agindo assim ela deve ter pensando que ele tinha se borrado nas calças, num caminhar tão contido.
Voltou pra festa animado, de sapato trocado e a passos largos. Agora podia relaxar e a alegria de estar pisando firme se esvaiu com a notícia que demos logo que chegou – não seria servida nenhuma bebida alcoólica. A família do noivo é evangélica e só permitiria refris.
Gente do céu! Como assim? Teve uma hora em que voltei à minha infância, em que nas festas servia-se Ki-suco e ponche sem álcool. Como é que alguém em sã consciência tem a cara de pau de convidar e insistir na presença de pessoas como nós, chegados numa cachaça, pruma festa longe desse jeito, prá tomar refrigerante? Não dá pra acreditar, pois dá?
Agora o pior – se é que existe coisa pior que festa sem bebida: a cerimônia de fato. O pastor entrou e meu coração gelou. Meu marido não tem a menor paciência com pregação e tive medo de que saísse antes do final, mas que nada, ficou prestando a maior atenção em respeito ao chegado que nos convidou. Antes tivesse saído, gente, porque o que foi dito de tão cabeludo ficou engraçado.
Acreditem - pelo amor de Deus, não tô inventando - nas palavras do pastor (vou tentar lembrar com a maior precisão possível): “Fulano, você está recebendo algo divino – a noiva. O amor é coisa humana, então mesmo que o amor acabe o que é divino tem que ser mantido. Você tem o cajado nas mãos para guiar sua ovelha – de novo, a noiva. Quando um casal se une os dois deixam de ter os próprios desejos, e seus desejos passam a ser os do outro...”. E por aí foi.
No meu entendimento, falando rasgado, ele disse o seguinte: Rapaz, cê tá ferrado e a noiva também. Se você não manejar bem seu cajado sua ovelhinha divina sai do rumo, e nem que queira vai conseguir se livrar dela. Entendi errado? Além disso me senti uma cabrita muito rebelde, porque meu marido certamente não soube me dar uns bons corretivos com seu cajado.
Ô gente, quem merece viajar pra tão longe, comer mal e não beber, passar pelo vexame que meu amigo passou com a bota desbeiçada, pra ter que ir comemorar a viagem num restaurante depois da festa? Quem merece ouvir um sermão daquele?
Sugiro que os convites de casamento contenham mais detalhes daqui pra frente, porque quem quiser prestigiar pelo menos vai prevenido – leva nem que seja uma garrafa de vinho chapinha, pra rir do sermão e dançar descalço, sem sofrimento.
No fim das contas foi bom – meu lado Pollyana sempre acha o lado bom: antes e depois da fatídica festa reencontramos grandes amigos, assistimos ao jogo do Brasil detonando a Argentina , conversamos fiado, trocamos receitas de injeções, marcamos a inauguração de um fogão de lenha, tomamos todas no mercado, enfim, sobrevivemos. E bem.