sábado, 23 de abril de 2011

CHEIROS

· Itambacuri só tinha um carteiro – Zezé, que entregava as cartas de bicicleta. Quando ele entrava em férias tínhamos que ir ao correio ver se tinha correspondência. Os rapazes da cidade quase todos moravam no internato em Conceição do Mato Dentro e ficávamos ansiosas por notícias deles, nossos namorados. Telefone era muito caro e eles só iam pra lá nas férias – janeiro e julho, então a única comunicação era por carta. Eu namorava firme e tinha um trato de escrever todos os dias, então toda quinta recebia 3 cartas que foram escritas sexta, sábado e domingo anteriores e colocadas no correio na segunda daquela semana. Precisávamos ajudar a outra funcionária do correio a separar as cartas pra achar as endereçadas a nós. Lembro bem que a primeira coisa que eu fazia ao pegar no envelope era cheirar, porque a memória afetiva traz consigo o cheiro de quem escreveu. Nos últimos 20 anos as únicas cartas à mão que recebi foram escritas por mamãe, meu Walmir e Aninha Malfacini. Reconheci o cheiro de cada um deles nelas. E me emocionei a cada vez, que nem dia desses, comendo pequi.

· Cheiro de Pequi me traz a deliciosa presença de papai, me leva à infância sentada no chão com a cumbuca se enchendo de caroços - eu roendo e papai olhando, atento pra que não ferisse minha boca com os espinhos. No tal dia ele não estava aqui pra me olhar e furei a língua toda. Juráila se valeu de uma pinça e tirou os que conseguiu, mas muitos teimaram em se esconder e ficaram. Walmir brigou porque não tive cuidado e me machuco como uma adolescente estabanada, mas valeu a pena. Naquela noite sonhei com papai.

· Cheiro de fumaça me lembra as fogueiras em Castorina; cheiro de bebê, meus meninos pequeninhos; cachaça, a roça de Zé Lú; terra molhada, o quintal de vovô quando chovia; pele queimada, matança de porco na casa de mamãe; torra de café, comunidade Noiva do Cordeiro; cheiro de pão assando, minha casa desde sempre.

· Tem também os cheiros que nos remetem a lembranças ruins. A primeira coisa que acontece quando desgostamos de alguém é desagradar do cheiro. Aí não tem jeito. Acabou mesmo.

· Bom que os deliciosos são muito mais que os não bons. Cheirosas lembranças pra todo mundo!

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2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o caso do carteiro também. E você não se lembra de Alecrim, o outro carteiro? As portas de nossas casas viviam abertas. Todos eram bem vindos. Ele chegava falando alto: Telegrama, D. Olga. Quando tio Dodó foi para a Europa ele mandou postal pra todo mundo, mas não sabia o endereço. Então deixou por conta de Alecrim. Escrevia assim no envelope: Para fulgênio, endereço: Alecrim sabe. Para Serafim, Enderço: Ô Alecrim, me ajuda ai! Para Lourdinha, endereço, Ih, Alecrim, esqueci o endereço. Bom demais não? Agora as portas são trancadas e pelo interfone já decidimos quem entra e quem não entra. As cartas são deixadas na varanda. Se é que elas vêm. Vêm mesmo são os e-mails. Às vezes algum telegrama e muitas, muitas contas pra pagar. Pois é. Então fiquemos com os cheiros deliciosos da nossa infância. Cheiros de carta escrita a mão.

Beijos. adorei!

Olga Letícia

Ó do Borogodó disse...

Claro que lembro de Alecrim, Olga! Fiquei até emocionada com estas lembranças de nossa terra.Lembrei também foi de Martinha, da Coteli. A gente tirava o fone do gancho, ela atendia e fazia a ligação. Lembro direitinho como era:
-"Martinha, liga pra casa de vovô pra mim."
- "Sua mãe sabe que você tá telefonando?"
- "Sabe".
- "Então tá".
E ligava. Chique demais! Deu saudade.